Curar as Trágicas Cicatrizes dos Maus-Tratos e do Abuso

RICHARD G. SCOTT
Do Quórum dos Doze Apóstolos

Do fundo de meu coração falo a cada um de vocês que foram marcados pelo desprezível pecado do abuso, sejam vocês membros ou não da Igreja. Eu preferiria um ambiente particular para conversar sobre esse assunto delicado e peço que o Espírito Santo nos ajude para que você possa receber o alívio do Senhor para a crueldade que tenha marcado sua vida.

A menos que o Senhor os cure, o abuso mental, físico ou sexual pode trazer consequências sérias e permanentes. Como vítima, você sofreu algumas dessas coisas. Eles incluem medo, depressão, culpa, raiva si mesmo, destruição da autoestima e alienação dos relacionamentos humanos normais. Quando agravadas pelo abuso contínuo, surgem fortes emoções de revolta, raiva e ódio. Esses sentimentos muitas vezes se voltam contra nós mesmos, contra os outros, contra a própria vida e até contra o Pai Celestial. A frustração sofrida em suas tentativas de revidar pode resultar em abuso de drogas, imoralidade, abandono do lar e, tragicamente, em casos extremos, suicídio. A menos que esses sentimentos sejam neutralizados, resultarão em pessoas e vidas sem esperança, em casamentos cheios de discórdia e até na transformação da vítima em agressor. Uma consequência terrível é a profunda falta de confiança nas outras pessoas, que cria uma barreira para a cura.

Para receber ajuda, você tem que entender algumas coisas relacionadas à lei eterna. O abuso que você sofreu resulta de um ataque injusto à sua liberdade cometido por outra pessoa. Como todos os filhos do Pai Celestial têm o arbítrio, pode haver aqueles que deliberadamente decidem violar os mandamentos e ofender você. Esses atos restringem temporariamente sua liberdade. Como forma de justiça e compensação, o Senhor propiciou um meio para você sobrepujar essas consequências destrutivas dos atos de outras pessoas contra sua vontade. Esse alívio é proporcionado pela aplicação de verdades eternas com a ajuda do sacerdócio.

Saiba que as escolhas erradas de outras pessoas não podem destruir completamente seu arbítrio, a menos que você o permita. Esses atos podem causar dor, angústia e até mesmo dano físico, mas não podem destruir suas possibilidades eternas nesta vida curta, porém decisiva, na Terra. Você deve entender que é livre para superar os efeitos prejudiciais do abuso. Sua atitude pode controlar a mudança positiva em sua vida. Ela permite-lhe contar com a ajuda que o Senhor deseja que você receba. Ninguém pode tirar suas maiores possibilidades se você entender e viver a lei eterna. As leis do Pai Celestial e o Sacrifício Expiatório do Senhor permitem que não lhe sejam tiradas oportunidades que são concedidas a todos os filhos de Deus.

Você pode se sentir ameaçado por alguém que tenha controle ou poder sobre sua vida. Pode ter a impressão de estar preso numa armadilha, sem conseguir ver a saída. Por favor, acredite que seu Pai Celestial não deseja que você se torne refém de domínio injusto, de ameaças de represália ou do medo das repercussões para o familiar que abusa de você. Confie que o Senhor lhe dará uma solução. Peça com fé, não duvidando. (Ver Tiago 1:6; Enos 1:15; Morôni 7:26; D&C 8:10; 18:18).

Testifico solenemente que, quando alguém sofre involuntariamente terríveis atos de violência, perversão ou incesto cometidos por outra pessoa, a vítima não é responsável e não deve sentir-se culpada. O abuso ou os maus-tratos podem deixar cicatrizes, mas não é preciso carregar essas marcas pelo resto da vida. No plano eterno, no tempo do Senhor, essas feridas podem ser curadas se quem as sofreu fizer sua parte. Aqui está o que você pode fazer agora.

Procure Ajuda
Caso tenha sofrido abuso no passado ou esteja sofrendo agora, procure ajuda imediatamente. Talvez não tenha confiança nos outros e sinta que não há nenhum tipo de ajuda segura. Comece com o Pai Celestial e Seu Filho amado, seu Salvador. Esforce-se por compreender Seus mandamentos e segui-los. Eles te conduzirão a outras pessoas que podem lhe dar forças e coragem. Há um líder do sacerdócio à sua disposição, normalmente o bispo, às vezes um membro da presidência da estaca. Eles podem servir de elo para uma compreensão maior e para a cura. Joseph Smith ensinou: “Um homem não pode fazer nada por si mesmo a menos que Deus o dirija para o caminho certo; e o sacerdócio existe para esse propósito” (Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, 2007, pp. 114–115).

Converse com seu bispo ou presidente de ramo em particular. O chamado dele permite que ele aja como instrumento do Senhor a seu favor. Ele pode dar a base doutrinaria para levar você à recuperação. A compreensão e a aplicação da lei eterna oferecem a cura de que você necessita. Ele tem o direito de ser inspirado pelo Senhor para ajudar você. Ele pode usar o sacerdócio para abençoar você.

Seu bispo pode te ajudar a identificar amigos de confiança que lhe deem apoio. Ele vai ajudar você a readquirir autoconfiança e autoestima para iniciar o processo de recuperação. Se o abuso foi excessivo, ele pode ajudar você a identificar a proteção adequada e um tratamento profissional condizente com os ensinamentos do Salvador.

Princípios de Cura
Aqui estão alguns princípios de cura que você começará a entender melhor:

Reconheça que você é um filho amado do Pai Celestial. Ele te ama perfeitamente e pode ajudá-lo como nenhum pai ou mãe terrenos, cônjuge ou amigo dedicado poderiam. Seu Filho deu a vida para que pela fé Nele e pela obediência a Seus mandamentos você possa santificar-se. Ele é um ser perfeito para curar.

Adquira confiança no amor e na compaixão de seu irmão mais velho, Jesus Cristo, meditando nas escrituras. Tal como para os nefitas, Ele diz para você: “Tenho compaixão de vós; minhas entranhas estão cheias de misericórdia. (…) Pois vejo que vossa fé é suficiente para que eu vos cure” (3 Néfi 17:7-8).

A melhor forma de começar a cura é com uma oração sincera ao Pai Celestial pedindo ajuda. Esse uso do arbítrio possibilita a intervenção divina. Se você permitir, o amor do Salvador abrandará seu coração e quebrará o ciclo de abuso que pode transformar a vítima em agressor. A adversidade, mesmo quando causada deliberadamente pelos apetites desmesurados de outras pessoas, pode ser uma fonte de crescimento quando vista da perspectiva dos princípios eternos (Ver D&C 122:7).

A vítima deve fazer tudo o que puder para parar o abuso. Com muita frequência, a vítima é inocente por ser incapacitada pelo medo, poder ou autoridade do agressor. Em algum momento, no entanto, o Senhor pode inspirar uma vítima a reconhecer um grau de responsabilidade pelo abuso. Seu líder do sacerdócio vai ajudar a avaliar sua responsabilidade para que, se necessário, ela possa ser abordada. Caso contrário, as sementes da culpa vão permanecer e brotar em frutos amargos. No entanto não importa qual o grau de responsabilidade, de absolutamente nada até o consentimento crescente, o poder de cura da Expiação de Jesus Cristo pode proporcionar a cura completa. (Ver D&C 138:1-4.) O perdão pode ser obtido por todos os envolvidos em abusos. (Ver Regras de Fé 1:3.) Em seguida, vem a restauração do autorrespeito, da autoestima e uma renovação de vida.

Como vítima, não desperdice seus esforços em vingança ou desforra contra o agressor. Concentre-se apenas na responsabilidade de corrigir o que estiver a seu alcance. Deixe que as autoridades civis e eclesiásticas cuidem do agressor. Seja como for, os culpados um dia terão de encarar o Juiz Perfeito. No final, aquele que praticou o abuso e não se arrependeu será punido por um Deus justo. Os fornecedores de imundície e substâncias nocivas que, conscientemente, incitam outros a atos de violência e depravação e aqueles que promovem um clima de permissividade e corrupção serão condenados. Os predadores, que vitimam inocentes e justificam sua vida corrupta incentivando outras pessoas a adotar seus caminhos perniciosos, serão responsabilizados por isso. A esses o Mestre advertiu:

“Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar”. (Mateus 18:6) Compreenda que a cura pode levar um tempo considerável. A recuperação geralmente ocorre passo a passo, e é mais rápida quando expressamos gratidão a Deus a cada vez que notamos um pequeno progresso.

Perdão
Durante a longa recuperação de uma grande cirurgia, o paciente aguarda a cura completa com paciência, confiando no cuidado de outras pessoas. Ele nem sempre entende a importância do tratamento prescrito, mas sua obediência torna a recuperação mais rápida. O mesmo acontece com o esforço para curar as cicatrizes do abuso. O perdão, por exemplo, pode ser difícil de entender e mais difícil ainda de oferecer. Comece abstendo-se de julgar. Você não sabe o que os agressores podem ter sofrido na qualidade de vítimas quando inocentes. A porta para o arrependimento deve ser mantida aberta para eles. Deixe que outras pessoas cuidem do agressor. Quando sentirem o alívio da própria dor, o perdão completo virá com mais facilidade.

Você não pode apagar o que foi feito, mas pode perdoar (ver D&C 64:10). O perdão cura feridas terríveis e trágicas, pois permite que o amor de Deus purifique seu coração e sua mente do veneno do ódio. Ele limpa de sua consciência o desejo de vingança. Abre espaço para o amor do Senhor, que purifica, cura e restaura.

O Mestre aconselhou: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (3 Néfi 12:44; grifo do autor).

A amargura e o ódio são prejudiciais. Trazem muitas coisas destrutivas. Retardam o alívio e a cura que você tanto procura. Por meio da racionalização e da autopiedade, podem transformar a vítima em agressor. Deixe que Deus seja o juiz — ninguém pode fazer isso tão bem quanto Ele.

De nada ajuda sermos aconselhados a simplesmente esquecer o abuso. Você precisa entender os princípios que trarão a cura. Repito, frequentemente isso vem por meio de um líder do sacerdócio compreensivo que tem a inspiração e o poder do sacerdócio para abençoá-lo.

Advertência
Aconselho você a não participar de duas práticas terapêuticas inadequadas que podem causar mais mal do que bem. São elas: um exame demasiadamente minucioso de detalhes de suas experiências passadas, principalmente quando isso envolver um debate profundo numa terapia de grupo; e a propensão de culpar o ofensor por todas as dificuldades de sua vida.

Enquanto alguma descoberta é vital para o processo de cura, a quase mórbida sondagem em detalhes dos atos anteriores, há muito enterrados e misericordiosamente esquecido, podem ser devastadoras. Não há a necessidade de abrir feridas cicatrizadas para que apodreçam. O Senhor e seus ensinamentos podem ajudá-lo sem destruir seu respeito próprio.

Há um outro perigo. Perguntas detalhadas que exploram seu passado, podem inconscientemente desencadear pensamentos que são mais imaginação ou fantasia do que a realidade. Elas podem levar à condenação de outra pessoa por atos que não foram cometidos. Embora poucos em número, sei de casos onde tal terapia causou grande injustiça a inocentes de acusações inconscientemente estimuladas que mais tarde provaram-se falsas. A memória, particularmente a memória adulta de experiências da infância, é falível. Lembre-se, falsa acusação também é um pecado.

Dito de modo mais simples, se alguém intencionalmente derramou um balde de sujeira em seu tapete, você convidaria os vizinhos para determinar cada um dos ingredientes que colaboraram para a mancha horrorosa? É claro que não. Com a ajuda de um especialista, você em particular restauraria sua pureza.

Da mesma forma, o reparo de um dano causado pelo abuso deve ser feito em particular, de preferência com um líder do sacerdócio de confiança e, se necessário, com um profissional qualificado recomendado por ele. É preciso haver uma discussão a respeito da natureza do abuso para permitir que você receba aconselhamento adequado e para evitar que o agressor cometa mais violência. Então, com o auxílio do Senhor, enterre o passado.

Testifico humildemente da veracidade de minhas palavras. Fundamentam-se em princípios eternos que tenho visto o Senhor usar para proporcionar a plenitude da vida aos que foram marcados pelo abuso cruel.

Se você sente que há apenas um tênue fio de esperança, acredite em mim, não é um fio. Pode ser um vínculo inquebrável com o Senhor que preservará sua vida. Ele vai proporcionar-lhe a cura à medida que você deixar de ter medo e depositar sua confiança Nele, esforçando-se para viver Seus ensinamentos.

Por favor, não sofra mais. Peça agora que o Senhor ajude você. (Ver Mórmon 9:27; Morôni 7:26, 33.) Decida falar já com seu bispo. Não veja tudo o que enfrenta na vida através das lentes obscurecidas pelas cicatrizes do abuso. Há tantas coisas belas na vida. Abra as janelas do coração e permita que o amor do Salvador entre nele. E se os pensamentos sombrios a respeito do abuso passado voltarem, lembre-se do amor e do poder de cura do Senhor. A depressão vai se transformar em paz e segurança. Você vai concluir um triste capítulo e abrir muitos livros de felicidade.

Em nome de Jesus Cristo, amém.

 

 
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